A lição dos Sobral (e a quebra de paradigma, só ao alcance dos grandes)

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“Vivemos num mundo de música descartável, música fast-food, sem qualquer conteúdo. Isto pode ser uma vitória para a música, de pessoas que fazem música que significa algo. Música não é fogo de artificio, música é sentimento. Vamos tentar mudar isso e trazer a música de volta ao que realmente importa”.

Salvador Sobral, depois da Vitória na Eurovisão.

Ontem, dia 13 de Maio, escrevi assim (na minha página de Facebook):

Portugal vencerá a Eurovisão, hoje. E, mesmo sendo um festival de merda, onde impera o mau-gosto e a azeitice, far-se-á justiça a um país que, há muito, muito tempo, primava por ‘enviar’ verdadeiras relíquias para esse(s) palco(s).

Farto da indiferença, esse país ‘aproximou-se’ à falta de gosto e à foleirice veiculadas, com os resultados que se sabem.

Hoje à noite, os Sobral farão justiça a gente como Simone de Oliveira, Tonicha, Fernando Tordo, Paulo de Carvalho, Dulce Pontes, Pedro Osório, Nuno Nazareth Fernandes e, claro, José Carlos Ary dos Santos. Pela diferença.

Há uma frase geralmente atribuída a Leonardo da Vinci que serve, de forma admirável, como roupa à medida, aos Sobral e à sua canção:

“A simplicidade é o último degrau da sofisticação.”

A música do Salvador e da Luísa Sobral não é boa porque ganhou: É boa porque é, realmente, música. Uma grande música: tem alma, harmonia e lirismo.

No meio do lodo ou da lama, sobressaiu a flor.

Todos os outros concorrentes (e músicas) estavam a anos-luz da participação portuguesa. Chegou a ser embaraçoso. Mas, é uma forma de v(iv)er a música que se veio a convencionar, com a complacência de (quase) todos.

Um desfile de tentativas de timberlake, cyrus, bieber e por aí fora, que nada têm a acrescentar. Aparecer por aparecer, a fama pela fama (ainda que efémera).

Abomino quem empaturra o mundo com lixo ‘mainstream’. Abomino quem enfia pelas goelas das nossas crianças e jovens ‘xulé’ sem a mínima qualidade, fazendo-as crescer no seio disso.

Abomino concursos de talento, chamem-se ‘ídolos’, ‘the voice’ ou ‘got talent’. Miúdos, se quereis cantar, ou tocar, escolhei outras partes. Dave Grohl está certo: ‘quereis fama ou quereis música?’ Esses programas são um engodo e são, também, castradores: alimentadores da ‘roda’, concursos de imitação, mais do mesmo. Longe com eles!

Não se trata de ditadura de gosto: há opções (e não vias únicas). Muitas. Em todas as áreas.

Quando escutardes “É o que as pessoas gostam.”, respondei: “Não, é o que as pessoas conhecem (ou o que lhes dão a conhecer)”.

A música é tão importante. E tão bela. É a música que dá corda à vida.

Almejai a originalidade (com conteúdo).

Aos Sobral:

“ó minha Terra, minha lonjura,
por mim perdida, por mim achada.”

(versos de José Carlos Ary dos Santos para o poema de ‘Desfolhada’, de 1969)

Paulo César Gonçalves

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