Críticas Cliché #7

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O culminar dos grandes prémios de cinema faz com que esta edição das “Críticas Cliché” sejam especiais. O mês de abril apresenta 4 filmes recomendados pelo amante de cinema Nuno Meneses.

Os filmes “Tár”, de Todd Field, “The Banshees of Inisherin”, de Martin McDonagh, “Everything Everywhere all at Once”, de Daniel Kwan e Daniel Scheinert e “The Trouble with Harry” de Alfred Hitchcock são os filmes apresentados nesta crónica mensal.

TÁR

“There’s no glory for a robot, Eliot. Do your own thing!”
Tár é um filme realizado por Todd Field, e que recebe muitas nomeações aos óscares 2023.
E todas elas merecedoras.

Começo pelo melhor do filme: Cate Blanchett. Mais uma vez a comprovar a sua versatilidade e capacidade de conduzir um filme nela própria. Tár é um filme sobre uma maestrina  chamada Lydia que já trabalhou com as principais orquestras do mundo e por isso é arrogante, segura de si própria e capaz de julgar os juízos de valor. Está acima do mundo e das ideias de moralidade propagadas pela sociedade moderna nas redes sociais. Está no topo da carreira e do mundo e é daí que a vê afundar, ao longo de três horas de filme.

Todd Field conduz Blanchett e os restantes atores de forma brilhante, que nos fazem duvidar das ações de cada personagem e ao mesmo tempo acreditar que aquela personagem existe mesmo na vida real. Mal acabou o filme senti a necessidade de ir pesquisar se Lydia Tár tinha ou não existido. Ainda assim, e especialmente em alturas em que o filme tem uma linguagem mais técnica e falada em alemão torna-se repetitivo; e por vezes deixa assuntos pendentes que não se materializam em nada concreto e não acrescentando mais à personagem ou à narrativa. Por outro lado é essa repetição que nos deixa ainda mais curiosos, expectante, tensos, irritados, frustrados e confusos sobre o mundo e a facilidade com que a vida cai de um penhasco por tomarmos más decisões. Um filme com o qual nos conseguimos identificar, apesar de retratar uma personagem elitista, por tratar também de temas com os quais nos conseguimos identificar.

Um dos pontos fortes do filme foi, para mim, a fotografia. Todos os planos são bem executados e com uma iluminação muito boa. Um especial ênfase para a minha cena preferida do filme, que acontece num auditório de aula. Aqui a câmara vai seguindo a ação num plano sequência que nos vai aproximando e afastando das ideias e conceitos que estão a debater de forma absolutamente genial.

Falemos também da banda sonora. O filme começa com os créditos e uma música fantasmagórica que nos coloca imediatamente no coração da personagem principal, rodeada também ela pelos fantasmas do passado, do presente e mais tarde no filme também do futuro. Depois todo o filme segue a mesma lógica asfixiante que nos faz entrar naquele mundo de Lydia e percorrer a sonoridade daquela vida.

Em conclusão, Tár é um bom filme, com uma atuação incrível de Cate Blanchett, um argumento sólido, mas por vezes repetitivo e que se torna em alguns momentos lento de mais, nas alturas mais técnicas e faladas em alemão.

Por tudo isto, Tár merece o meu 8 em 10.

THE BANSHEES OF INISHERIN

“I do worry sometimes I might just be entertaining myself while staving off the inevitable.”
As banshees de Inisherin é genial, em todos os aspetos.

Na recondita Irlanda de 1923, numa pequena ilha (que não existe na realidade) seguimos intimamente a vida de dois velhos amigos, a partir do momento em que um deles decide que já não gosta do outro. Estranho não? Porque diabos alguém poderá deixar de querer ser amigo do seu melhor amigo sem nenhuma razão? É esta viagem que nós, espetadores, fazemos durante o filme.

Martin McDonagh acrescenta mais um filme incrível à sua lista de projetos que não param de surpreender. O realizador volta a apostar na dupla de atores Colin Farrel e Brendam Gleeson para um filme que é um drama mas também uma comédia. Um dos melhores argumentos de que me lembro e com uma premissa tão simples que me surpreende nunca ter visto nada do género: uma quebra de amizade entre dois amigos de longa data.

É a partir desta inesperada quebra de uma relação que o filme se desenrola, numa sequência de reflexões sobre a vida, a morte, a guerra, o nosso lugar no mundo, a solidão e claro, a amizade. Através de diálogos nada complexos, mas incrivelmente bem escritos, e num irlandês perfeito, incrivelmente cómico e ao mesmo tempo denso e pesado quando necessita de o ser.

Qual o sentido da vida? Tem? Que marca deixamos nós, como ser individual neste mundo? Será que deixamos? E será que isso importa? Algum dia alguém se vai lembrar do que fomos ou do que fizemos? Não chega que se lembrem quem nos são próximos?

Um filme que nos deixa a pensar mais do que nos dá respostas. Todo este enredo é espetacularmente bem apresentado por um conjunto de atores que, dos senhores do pub até à velha banshee, são maravilhosos e foram escolhidos a dedo para cada um dos papéis.

Contrariamente a este turbilhão de emoções, temos uma fotografia serena. Que mostra o quão pacata é aldeia onde tudo se passa, do outro lado da margem da guerra. Com planos muito bonitos e extremamente bem pensados.

Somado a tudo isto, temos uma banda sonora incrível de Carter Burwell que vai repetindo um tema do início ao fim do filme, que nos põe desde o primeiro momento no ambiente que o realizador quer passar. Uma mistura entre suspense, mistério, simplicidade e um toque de seriedade. Brilhante.

É sem dúvida um filme feito com muito amor.

10 em 10.

EVERUTHING EVERYWHERE ALL AT ONCE

“The only thing I do know is that we have to be kind. Please, be kind. Especially when we don’t know what’s going on.”
“Tudo em todo o lado ao mesmo tempo” é exatamente o que o nome indica: uma cacofonia de cores, sons, emoções, reações, movimentos, reações a acontecerem todas ao mesmo tempo, num turbilhão de ideias que foram sendo acrescentadas com um único propósito: mostrar-nos que o significado que damos às nossas vidas apenas depende de nós próprios. Somos humanos, sermos estúpidos faz parte do nosso ADN. Somos pequenos e estúpidos num universo gigante e cheio de significados.

O duo Daniels, os realizadores, presentearam-nos com um filme alucinado e alucinante, mas ao qual se vão acrescentando mais e mais camadas quanto mais pensamos nele. À primeira vista é só um filme de ficção científica com uma premissa simples: uma mãe tenta reconciliar-se com e compreender a filha, que por sua vez luta contra as tradições da própria família. Algo que acontece desde sempre. O filme leva ao extremo impossível a colisão entre gerações não só no conteúdo, como na forma como a história nos é contada. Por exemplo, a velocidade com que as novas gerações consomem informação e imagens em contraste com as mais antigas. Mas, à medida que vamos pensando mais sobre o que vimos, o filme traz-nos muitas outras mensagens como a tomada de pequenas decisões pode alterar toda a nossa realidade, como por vezes, mesmo achando que estamos a ter em conta todas as possibilidades possíveis, uma diferente perspectiva sobre as coisas que tomamos como certas, pode alterar por completo o nosso universo, a forma como lidamos com e vemos o mundo.

Uma das minhas cenas preferidas acontece bem lá para o final do filme, quando no meio de toda aquela cacofonia visual e auditiva para tudo e temos uma discussão filosófica no vazio e silencioso deserto. Somos só mais um calhau ou grão de areia neste vasto deserto (até de ideias) que é o universo. Por vezes, mais vale sentar-mo-nos, calarmo-nos e aproveitarmos o silêncio e o mundo. Berrar, dizer palavrões (por que não?), e refletir sobre as coisas; ou então não pensarmos sobre nada e deixarmo-nos só flutuar.

Os atores estão todos incríveis, o que contribui ainda mais para o fluir da história, mesmo com toda aquela agitação. A forma como as personagens “saltam de universos” em segundos é genial.

Tecnicamente o filme é muito, muito bom. A fotografia é muito bonita e contribui para a credibilidade de tudo o que estamos a ver, mesmo as coisas mais surreais. A edição do filme é excelente. Cada corte está perfeito e a montagem final entre universos é a cereja no topo do bolo. Somado a tudo isto temos uma banda sonora de Son Lux que é estranha, surrealista, e que acrescenta mais uma camada aos ambientes e universos pelos quais vamos passando.

Em suma, “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo” é um filme que merece ser visto em tela grande, principalmente para os mais cépticos, para serem “obrigados” a permanecer na sala e assistirem até ao final, porque vale a pena.

Somos o que quisermos ser.
Vivemos as vidas que quisermos viver.
Somos tudo.
Somos nada.
Mas pelo menos, somos ao mesmo tempo.

9 em 10.

THE TROUBLE WITH HARRY

“Blessed are they who expect nothing, for they shall not be disappointed.”
E com Hitchcock o melhor é nunca esperar nada, porque mesmo quando temos a certeza do que vai acontecer, ele engana-nos com uma mestria que a mim continuará para sempre a surpreender.

“The Trouble with Harry”, ou “O Terceiro Tiro”, em português, é uma comédia de 1955. Pautada por um humor negro e inteligente, é estrelada por Edmund Gwenn, John Forsythe e Shirley MacLaine que faz a sua estreia no cinema.

Uma história tão surreal que só poderia ser realizada por Alfred Hitchcock. A premissa é mais uma vez, extremamente simples: em Vermont, um corpo é encontrado no campo e várias pessoas da pacata aldeia tornam-se suspeitas do assassinato. A partir daí, a trama desenrola-se por um caminho inesperado, abordando temas como o amor, a morte ou a redenção, sempre com uma discussão filosófica típica do realizador.

Por várias vezes, e como é hábito nos filmes do realizador, damos por nós a pensar o que faríamos em cada uma das situações. O filme é considerado uma das obras mais subestimadas e esquecidas de Hitchcock, mas ainda assim um tesouro escondido que vale a pena ser descoberto pelos fãs do realizador e de cinema no geral. Misturando com mestria elementos de mistério, romance e comédia, Hitchcock consegue aqui mais um filme, para mim, absolutamente genial. As “peças” que o realizador usa vão-se encaixando ao longo do filme de uma forma incrível e, como sempre, nada está lá a mais; tudo o que aparece ou é dito vai depois ser utilizado para resolver ou não mais uma intriga. Até a forma como cada personagem aparece e é introduzido na narrativa ajuda a dar-lhes o contexto e personalidade. Hitchcock era realmente o mestre do suspense e sabia como agarrar os espetadores ao filme desde o primeiro ao último segundo.

A fotografia é considerada como uma das mais bonitas da filmografia de Hitchcock, com cenas pitorescas das montanhas de Vermont, e que contrastam com a macabra e divertida trama do filme. Os planos e movimentos são utilizados pelo realizador com uma consciência absoluta do que transmitem aos espetadores em todos os momentos; suspense, uma gargalhada, uma perspectiva sobre os personagens, tudo é pensado ao pormenor e executado na perfeição.

A banda sonora de Bernard Herrmann é também um dos pontos altos do filme,. Ao mesmo tempo que ajuda a criar uma atmosfera misteriosa e de suspense, desenvolve também os personagens com temas específicos para cada um, ajudando o espetador a construir uma imagem de cada um dos personagens, mesmo antes de os conhecermos melhor; acontece logo no início do filme com os temas do capitão e da criança que nos passam musicalmente e instantaneamente as imagens de inocência e de que alguma coisa vai acontecer às personagens e que não liga com o carácter das mesmas.

Concluindo, “The Trouble with Harry” é um filme muito divertido, inteligente e intrigante que merece ser visto e revisto, mesmo depois de sabermos o final.

Se, como eu, são fãs de Hitchcock e cinema, ou se não sabem o que ver, este filme pode ser uma escolha perfeita. Apesar de ter visto no Cineclube de Guimarães, o filme está até disponível no Youtube gratuitamente.

Para mim 10 em 10. Mais uma vez obrigado ao Cineclube de Guimarães por me ter dado a oportunidade de ver e apreciar este incrível filme em tela grande.

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