Críticas Cliché #6

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Estão de volta as Críticas Cliché ao FreePass Guimarães, desta vez com destaque para as mesmas, mas em podcast. Críticas de cinema pelo entusiasta e videografo Nuno Meneses para colocar espetadores com sede de cinefilia.

Este mês há sugestões que já passaram pelas telas comerciais, pelas telas das sessões regulares do Cineclube de Guimarães mas também pelas plataformas de streaming. Eis as mais recentes Críticas Cliché:

“I know what’s at stake here. It’s the future of cinema.”
Babylon, Damien Chazelle
(Cineclube de Guimarães)

Babylon é surreal, longo, megalómano, divertido, assustador, emocional. Podia dizer-se que é uma carta de amor ao cinema; e é, mas em vez do formato carta de amor toma o formato montanha russa.

O filme passa-se em Hollywood, entre as décadas de 20 e 50 e explora, a partir do ponto de vista de múltiplos personagens, a ascensão do cinema e dos estúdios, até ao momento em que o som é introduzido e sincronizado na tela. Sempre com especial foco nos excessos, escândalos e podridão por detrás dos cenários e da magia.

Damien Chazelle mostra o quanto gosta de cinema, e o quão bom é. Mostra neste filme a sua incrível capacidade de realização; tal como um grande maestro consegue, de uma forma muito característica, coordenar atores, cinematografia, som e música. Consegue um filme histórico, mas épico.
Entre momentos de êxtase sonora e movimentos de câmara, e outros momentos de completo silêncio e ausência de movimento, consegue um bom equilíbrio para o espectador, que não dá conta das horas passarem.

Mas vamos por partes:
Na introdução do filme, provavelmente a maior que alguma vez vi, o realizador mostra ao que vem. Chazelle está-se a marimbar para o que os espectadores e críticos vão dizer. E di-lo de uma forma tão explícita quanto possível.
Prepara-nos para a viagem louca e inesperada que o filme vai ser, sempre com um ritmo frenético que me fez quase entrar em pânico na sala de cinema. Adorei. A câmara não parava e dei por mim a pensar como raio tinham feito alguns dos movimentos no meio de toda a confusão.

Depois o filme desenrola-se através das personagens principais. Aqui todos os atores desempenham papéis incríveis e não há um que eu consiga dizer que esteve menos bem. Todos quiseram dar o seu contributo e mostrar o quão gostam de cinema.
Aqui temos uma perspectiva de como a introdução de som nos filmes revolucionou a indústria, a produção de filmes e a capacidade ou não de os atores desempenharem os seus papéis. Já não bastava serem bonitos. Tinham que saber falar, estar e ter uma boa voz.
Fala-se também, muito superficialmente, de racismo, ostentação e da cultura das estrelas.
Uma das minhas cenas favoritas acontece aqui, quando três das principais personagens do filmes têm que parecer o que não são para voltarem a ser acarinhados por quem gere a indústria. A banda sonora acompanha esse desenrolar de cena de uma forma incrível; com base no bolero de Ravel, parece, a música vai ganhando consistência pela repetição até chegar ao êxtase e explodir em conjunto com as performances dos atores. Especialmente Margot Robbie. A música dessa cena chama-se “Hearst Party” caso queiram comparar por vocês próprios.
Uma ovação de pé para Justin Hurwitz que compõe um tema que é repetido ao longo do filme sob várias formas, até à exaustão, mas que nos faz sair do filme a assobia-lo.

A terceira e última parte do filme é também ela muito boa. Com algumas resoluções adivinháveis, mas outras peripécias completamente inesperadas e surreais. Como uma aparição de Tobey Maguire merecedora de muito amor. Mas, como não quero fazer spoilers, não vou contar mais nada e vou deixar-vos só com o bico aguçado.

Concluindo, Babylon é um filme épico feito com muito amor. Apesar de longo passa a voar. É frenético, louco e cheio de alma.
E por tudo isto merece um 9.

“Thank you for being born, for shining on us like the sun.”
Broker, Hirokazu Koreeda
(Cineclube de Guimarães)

Na nossa vida não agradecemos vezes suficientes às pessoas que nos rodeiam só pela facto de estarem à nossa volta. E também não o ouvimos de volta.

“Broker” é também sobre sermos gratos pela vida que temos.
Este filme sul-coreano, realizado por Hirokazu Koreeda, conta-nos a história de uma família improvável e pouco convencional que acaba por juntar-se e das suas “aventuras”.
A premissa do filme baseia-se num conceito simples: quando uma mãe (neste caso) sente que não vai conseguir sustentar o filho recém-nascido, deixa-o à porta de uma igreja, para que cuidem dele por si. Mas.. no filme, o dono de uma lavandaria que é voluntário na igreja onde o bebé é “deixado” e o seu amigo que também lá trabalha, decidem roubar o bebé para o vender ilegalmente. Ficamos depois a saber que não é a primeira vez que o fazem e estão inclusivamente a serem vigiados pela polícia.
E é nesta confusão de emoções que o filme começa. Seguimos a viagem dos dois “ladrões” e da mãe do bebé na tentativa de venderem o filho.

Aqui ninguém é retratado como um vilão. Colocam-nos, ao inverso, em todas as diferentes perspectivas de quem vende, quem compra, quem os investiga, e deixam ao espetador a possibilidade de interpretação e instrospeção sobre o que faríamos nós se estivéssemos naquela situação.
Aqui uma ovação ao realizador que consegue por-nos na pele de cada um dos personagens e fazer-nos entender que nada na vida é cem por cento certo ou errado; por vezes existem pequenas nuances que nos fazem tomar opções que podem parecer certas ou erradas aos olhos de quem nos rodeia.
Song Kang-ho, que reconhecemos de “Parasitas”, é um dos atores principais e está brilhante. Lidera um conjunto de atores incríveis e que nos conseguem fazer passar por várias emoções ao longo do filme.

Uma das mensagens centrais do filme é a importância da família e os sacrifícios que os pais têm muitas vezes que fazer pelos filhos. O realizador mostra que por um lado, os problemas sociais e financeiros podem ser muitas vezes o que quebra uma família ou uma relação, mas que por outro lado são essas ligações fortes que temos que nos ajudam a ser resilientes e nos dão força para superarmos as dificuldades. O realizador dá-nos também uma forte perspectiva de como isto tem afetado as famílias quer na Coreia do Norte, quer no Japão.
E isto acontece porque nos situa nos espaços de uma forma verdadeira. Para isto contribui a espetacular cinematografia do filme. Com uma cor real e pequenos movimentos de câmara que nos aproximam ou afastam das personagens de acordo com o que pretende. Cria uma atmosfera de introspeção e ao mesmo tempo de contemplação para nos identificarmos cada vez mais com os personagens à medida que a história avança.

“Broker” é, na minha opinião, um filme poderoso e emotivo que não conta uma, mas várias histórias com as quais nos podemos identificar. E fá-lo de uma forma tão bonita que não conseguimos sentir-nos indiferentes. E também para isto contribui, em muito, a banda sonora de Jung Jaeil que é incrível e adiciona mais camadas à história. Com pouca instrumentação, mas o coração no sítio, o compositor eleva o filme a um outro patamar que o transcende da tela de cinema.

Concluindo, “Broker” é um filme que consegue explorar várias narrativas e temas, sempre com a premissa de que a família e as relações que temos são o que mais nos ajuda a superar os problemas e adversidades que nos vão acontecendo ao longo da vida. É um filme que nos faz sentir compaixão, mas acima de tudo nos faz refletir sobre as decisões que tomamos e como julgamos as decisões dos outros sem percebermos a sua perspectiva.

Obrigado Cineclube de Guimarães.

“10 em 10.“Ennio, o Maestro””
Ennio, o Maestro, Giuseppe Tornatore
(Cineclube de Guimarães)

“Ennio, o Maestro” é um documentário muito bonito sobre a vida e obra do grande maestro Ennio Morricone.
Durante duas horas e meia viajamos pela vida e música do génio italiano; mas essas duas horas e meia não chegam para compactar tudo o que lendário compositor criou.
Começamos com depoimentos de vários realizadores, músicos e produtores sobre quem achavam que era Ennio. Por exemplo Tarantino, Hans Zimmer ou o gigante Pat Matheny.
Daí partimos para uma entrevista ao próprio; e é esta entrevista que conduz o filme.

O documentário é realizado por Giuseppe Tornatore, que fez, entre outros, o incrível “Cinema Paraíso”. E temos que dar todo o mérito ao realizador, que consegue, talvez pela sua cumplicidade com Ennio fazer com que o maestro se abra e nos fale de forma tão genuína e verdadeira sobre o que foi a sua vida.

Apesar de ter sido considerado um génio ainda dentro do seu tempo, coisa rara no mundo das artes, Ennio lutou sempre contra a ideia intrínseca que os professores do conservatório onde estudo lhe passaram de que a música para filmes era um género de arte rasca, comparada por alguns à prostituição.
E esse lado do maestro passa de forma comovente.
Conseguimos ver a luta interna pela qual o maestro passou durante a maior parte da sua vida, e a não aceitação deste tipo de arte como verdadeira, mesmo tendo sido nomeado por diversas a óscares e outros prémios.

O documentário ganha ainda mais por termos sempre a perspectiva do maestro em contraponto com a dos realizadores, produtores e músicos com quem trabalhou, tornando-se em muitos momentos bem divertida.
Viajamos por alguns dos seus mais famosos temas e como ele chegou até eles; como usou instrumentos e sons menos convencionais e como revolucionou não só a composição de música para filmes, como a produção musical.
O filme explora também as técnicas que usava e qual era o seu processo criativo, muitas vezes de choque com os realizadores dos filmes.
Algumas das histórias por detrás dos temas são deliciosas de ouvir.

A cinematografia é muito bonita. Nos momentos em que temos as entrevistas temos uma iluminação básica, mas nos outros momentos, em que vemos o maestro quase nos sentimos na pele dele por momentos.
As mãos, os movimentos, o olhar, a percepção dele do mundo.
Incrível.
É mesmo um olhar detalhado e próximo da vida de Ennio e da sua jornada desde a infância em Roma, até à consagração do maestro como um dos maiores de sempre.

Em suma, “Ennio o Maestro” é um must watch para todos os que, como eu, amam cinema e música e que gostam de perceber o processo criativo por detrás das coisas.
É um documentário que apesar de grande, poderia ser ainda maior; um tributo muito bonito ao génio musical que foi Ennio Morricone, um dos compositores mais influentes e incríveis do nosso tempo.
10 em 10.

“You do what your heart says you have to. So you don’t owe anyone your life. Not even me.”
The Fabelmans, Steven Spielberg
(Cineclube de Guimarães)

“Os Fabelmans” é um filme autobiográfico de Steven Spielberg, a lenda por detrás de filmes que adoro, como “Catch Me if You Can”, “ET”, “Jurassic World” e “Indiana Jones”.
Neste filme, ele conta a história da sua infância no Arizona entre as décadas de 50 e 60, até espreitar Hollywood por uma frincha de luz e esperança.

Um filme com um guião bom, uma realização ainda melhor, e acima de tudo, com o coração no sítio.
Pode parecer, em alguns momentos, demasiado pessoal, mas, para mim, é isto que o faz ser tão bom. O facto de nos podermos identificar, mesmo que indiretamente, com os problemas transversais que todos temos no que diz respeito à família, amor, identidade.
Não podemos esperar nada da vida e muito menos deixarmos que os outros a influenciem. Como disse a mãe Fabelman “faz sempre o que o teu coração mandar”. E é esta uma das maiores premissas do filme, a procura pela concretização dos nossos sonhos, mas nunca descorando o amor, embora, por vezes, os dois possam colidir.

O argumento tem mais frases incríveis do que as que consigo lembrar-me. Por exemplo:
“Os filmes são sonhos dos quais te vais sempre lembrar” ou, como citei no início, “não deves a tua vida a ninguém”. E são estes pequenos apontamentos que fazem do Spielberg um realizador diferente e nos transpõem para além do ecrã. Esta alma e amor com que dirige os filmes e toda a equipa.
E por falar nisso, os atores Gabriel LaBelle, Michelle Williams e Paul Dano têm performances muito, muito boas.

Tecnicamente o filme é muito bonito. A luz, a fotografia, está tudo perfeito.
Mas, como podemos ver numa das cenas finais do filme, Spielberg foi influenciado desde novo por realizadores como John Ford, que, a ser verdade lhe disse algo como
“Lembra-te disto. Quando a linha do horizonte está no fundo é interessante; quando a linha do horizonte está no topo é interessante; quando a linha do horizonte está no meio, é aborrecido como o diabo”. E já agora aproveito para louvar mais uma performance que para mim foi genial e que foi o David Lynch a fazer de John Ford. Que final inesperado e divertido.

Somado a tudo isto temos, mais uma vez, música do incrível John Williams; a banda sonora mistura-se com Bach e outros compositores clássicos sem que demos conta disso; interlaça-se com a trama de uma forma que poucos compositores conseguem. Mergulha-nos naquele mundo meio obscuro mas iluminado que foi a infância de Spielberg e está presente sem se impor, transportando-nos para o ambiente que o realizador quer passar.

Concluindo, “The Fabelmans” é uma carta de amor de Spielberg ao cinema e à sua família, que entre todos os problemas, sempre quiseram o melhor para os seus filhos.
Um 8 em 10 e uma promessa de não arrependimento se o conseguirem ver em tela grande.
Vale bem a pena.

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