José Maria Magalhães (ó tempo, vira-te para a frente)

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Diz-se que Gil Vicente nasceu em Guimarães. Camilo Castelo Branco fazia notar que o notável Dramaturgo respirara pela primeira vez (e pela segunda, e pela terceira, etc) em Urgezes (Casal da Lage). O Professor Amaro das Neves, no seu blog “Memórias de Araduca”, dá conta de que “quanto à terra onde veio ao Mundo, têm sido defendidas várias hipóteses, mas não existe nenhuma demonstração de que não seja certa a que avançou o genealogista quinhentista D. António de Lima Pereira, autor de uma obra com o título de Linhagens dos Fidalgos de Portugal, manuscrito largamente copiado e anotado por outros genealogistas.
A credibilidade do que escreveu António de Lima Pereira acerca do nascimento do fundador do teatro português ganha força se atendermos a que ele era alcaide-mor de Guimarães, em 1570, num tempo em que a memória de Gil Vicente ainda seria viva, nomeadamente através de pessoas da sua família.”

Gil Vicente está na toponímia vimaranense, já foi nome de teatro (na rua com o mesmo nome, hoje sede da ASMAV) e tem nome de agrupamento de escolas (em Urgezes). O Pai do Teatro Português faz parte do imaginário colectivo Vimaranense. Por isso, não é de estranhar a (já antiga) ligação do Teatro com a cidade de Guimarães.

Quem tiver curiosidade de “explorar” mais informações sobre assuntos de índole teatral do Passado (espaços físicos, os executantes, as companhias, todas as componentes das(s) arte(s) do teatro), poderá consultar as obras “Curiosidades de Guimarães V – Teatro Vimaranense”, de Alberto Vieira Braga, ou “Guimarães, apontamentos para a sua história”, do Padre Caldas. Também o ilustre Padre Gaspar Roriz se debruçou sobre o assunto, na “Revista de Guimarães”, publicação da Sociedade Martins Sarmento.

No século XX (Vimaranense), emerge a figura de Joaquim Santos Simões. A sua ligação ao teatro universitário (TEUC, onde foi director, encenador, ensaiador e actor), fá-lo, já Professor em Guimarães, ‘reavivar’ a velha paixão, fundando o “TERB” (Teatro de Ensaio Raul Brandão), ajudando a ‘ressuscitar’ essa figura esquecida que era “o senhor da Casa do Alto”. Santos Simões foi a ‘raiz’ da (forte) árvore cultural que brotou do solo pátrio inaugural.

Poderia escrever sobre João Xavier de Carvalho, Luís Gonzaga de Almeida, ou tantos outros, mas haverá pessoas muito mais capazes do que eu (para escrever sobre pessoas, instituições e obra-s).

Não tenho pretensões de assumir, criticamente, a posição de crítico teatral nem coisa nenhuma. Sou, apenas, uma pessoa com opinião.

A criação do “Teatro Oficina”, com a entrada para o século XXI já à vista, veio dotar Guimarães de uma importante mais-valia a nível cultural. Os primeiros tempos foram triunfais, com mais de quinhentas pessoas a aderirem às oficinas/aulas de teatro: havia um envolvimento entre a cidade e a companhia (até ao nível das produções). Muitos recordarão, ainda, “A Grande Serpente” (entre outras).

Assim, durante tempos, “Aproximou-se a cultura e a arte da Comunidade, fazendo com que a mesma percebesse que é dela própria que emana a identidade e é também dela que nasce o veículo a que podemos chamar ideia. A tradição não significa atraso, a tradição é respeito pelas raízes que moldam corpos e rostos.”

Esta dinâmica ajudou a projectar jovens para outros palcos. São disso casos Victor Hugo Pontes, Joana Antunes ou Cristina Cunha, por exemplo.
Com o passar do tempo, e das pessoas, tudo foi mudando. Vieram as modas e as modinhas. Cresceu a onda do dito “teatro contemporâneo”. Perdoem-me os “experts” e os arautos das ultra-modernices: não tive/tenho pachorra. Serei, como alguns referiam, “conceptualmente pobre”? Talvez.

Ficam as questões:

-“Teatro”? Ou “performance”?
-“Teatro”? Ou “síndrome de Tourette”?
-“Teatro”? Ou “que-caralho-é-aquilo”?

A maior das interrogações era/é o público. Esse tipo de “teatro contemporâneo” chega(rá) ao público? E quando escrevo “chega(rá)” refiro-me a “CHEGAR”. Literalmente!

O público entende(rá)? Ou faz que entende? Parecerá bem fazer-se de conta que a mensagem “chegou”? Passou? Atingiu o alvo?

Escrevo como exemplo: há sensivelmente cinco anos, assisti a um desses espectáculos (não vale pena indicar qual), parte do programa de “GUIMARÃES 2012, CAPITAL EUROPEIA DA CULTURA”. Saí de lá da mesma forma que entrei. E não me estou a referir ao meio de locomoção (as pernas). Imperceptível! Zero!

O que se andou a fazer, afinal? Cativar o quê, quem, e de que forma? Há “teatro” criado apenas para pessoas do meio? Trabalha-se em (e para) circuito fechado? Modinhas. E depois ainda nos pregaram a cantilena do “público mais exigente” (parece impossível!).
O Teatro (Oficina) esteve, até há pouco, “vedado” à cidade (ou aos seus agentes em geral).

E agora?
“O Teatro não é nem para jornalistas nem para burguesas serigaitas. É para toda a gente.”
Com a “Festa de Teatro Raul Brandão”, o Teatro (re)abriu-se à cidade, chegou aos espectadores (com “c”, sempre), quis envolvê-los e fazer com que eles se sentissem envolvidos. Foi possível assistir a uma peça em que o teatro foi a julgamento. O teatro está acima dos julgamentos, mas os seus agentes não. O teatro é o que dele fizerem. Se quiserem refugiar-se na efemeridade de uma sinopse, muito bem (o teatro permite preguiças e aligeiramentos). Se quiserem que o teatro seja o prolongamento do palco até à mente e ao coração de quem a ele assiste, tanto melhor: Só assim se melhora. Só assim se evolui.

Fazer teatro para uma rodinha selecta condena a arte (e o restante) à morte. É preciso errar e deixar errar. É preciso conhecer. É preciso prolongar o olhar para a lonjura das coisas. É preciso ser mais do que uma moda. É preciso aprender (mais do que ensinar ou ditar tendências).
Parece-me que estamos numa “nova” era (e parece-me que as pessoas perceberam-no): A era da alma (e do conteúdo).

Só isto já merece o meu aplauso (mas espero mais, muito mais!).

NOTA: Uma vez mais citando o Professor Amaro das Neves (e o seu Blog “Memórias de Araduca”, uma ‘bíblia’ Vimaranense), “É indiscutível a ligação ao teatro dos festejos dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau. Basta recordar que o que consta do inventário geral da Colegiada da década de 1660:
A Capela de S. Nicolau fizeram-na os Estudantes desta Vila e outros devotos de dinheiro que ganharam em comédias e danças que por devoção do Santo e aumento da Capela aceitavam o dinheiro que lhes davam.”

Este texto, dedico-o ao meu Amigo (e Mestre) José Maria Magalhães, o ‘Dom Afonso Henriques’ das Danças de São Nicolau (entre 1972 e 1997). A Ele devo o gosto pelo Teatro (e a escrita para o mesmo), a ideia que tenho do nosso Primeiro Rei e muitas gargalhadas. O título com o seu nome é justo.

Paulo César Gonçalves

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