A rotina de um gay em Guimarães #2

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Foi-me dito que sempre que alguém pensa na palavra gay pensa em divertido. Fiquei intrigado com esta afirmação. Indaguei dias sem conta neste estereótipo. Não sei se somos divertidos porque sempre que fomos reprimidos tivemos que criar um traço de personalidade agradavelmente distinto ou simplesmente está no nosso ADN. Não caindo em estereótipos, mas sempre a tropeçar neles, desculpem se algum membro da comunidade sente-se magoado ou não representado. Mas isto será sempre a minha versão sobre as experiências vividas.

Desde que assumi a minha orientaçao sexual sempre tive amigas que quiseram transformar-me num tamagochi do século XXI. Queriam ajuda nos outfits ou nas compras, mesmo quando a peça mais usada do vestuário são umas aborrecidas calças cinzentas de fato de treino. Era tão reconfortante quando estavam em baixo e chamavam-me para animá-las. Os gays estão para as melhores amigas assim como os Malucos do Riso estavam para a 3ª idade.

No entanto, nunca me importei em ser o bobo da corte porque, no final de contas, era o que me distinguia. Até porque nem todas as minhas amigas foram assim. Algumas simplesmente gostavam de mim. Com os homens foi diferente. Para ter um amigo foi preciso sair de Guimarães e chegar à faculdade. Ironicamente era estranho o facto deles não me fazeram sentir estranho, falavam de futebol e eu era engraçado nessas conversas. Às vezes penso que a minha vida é mesmo uma comédia trágica.

Lembro-me que no meu 6º ano um dos rapazes deu-me um tal pontapé no passeio que fui ter à estrada. Por sorte não fui atropelado. Nesse dia decidi que nunca iria ser uma vitima, mas sim uma voz. Ao longo dos anos fui percebendo que afinal o mundo não estava preparado para os gays mas sim para o que é diferente. Foi esse o dia em que a solidão chegou.

Todas as questões que me dobro não são só sobre a minha orientação sexual mas também da minha personalidade. Apesar disso, na maioria das vezes fui deixado de lado por ser gay. Lembro-me do filme de horror que eram os balneários depois das aulas de educação física. Nunca me identifiquei tanto com o futebol até aquele dia em que todos os rapazes bateram-me com toalhas molhadas. Foi então que percebi que era a bola, quem desse o melhor remate era o glorioso ponta de lança. Não sei se fiz esta analogia direito, nunca me interessei por futebol, não porque sou gay mas simplesmente porque acho um desporto desinteressante. Agora as coisas estão diferentes, no outro dia vi dois homens a passearam de mão dada na Praça da Oliveira à noite, ninguém os agrediu fisicamente, só verbalmente. Apesar de tudo a crueldade das pessoas continua activa, mas há uma vergonha social que inibe as pessoas de serem quem realmente são. Se acreditasse em Deus pedia-lhe apenas respeito. Contudo, Deus não faz parte da minha narrativa por isso resta-me a escrita e a esperança que pelo menos uma pessoa eu consiga sensibilizar.

Afonso Reis

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