Resiliente como uma barata

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É mancha de nascença na pele de todos nós.

Lembro-me do tédio, do cansaço e da fome por novas caras e ruas menos gastas. Não tinha saudades disto. Penso que nunca entendi aquele velho provérbio.

Saí ainda sonolento do comboio e arrastei me até à saída. Estava cansado e com vontade de descansar para curar a ressaca de ontem. Ajeitei a mochila e enfiei um cigarro na boca enquanto ganhava ânimo para fazer a caminhada até à casa dos meus pais. Estranhei a cidade. Nunca é assim tão calma, principalmente em noites que cheiram a Verão e maquilhagem das miúdas da discoteca da cena. Só podia significar uma única coisa… e o barulho que vinha do estádio confirmou. Era jogo do Vitória. Encolhi os ombros e revirei os olhos. Nada muda, foi por isso que saí daqui.

Fiz me ao caminho e encontrei aquele cromo que fumava comigo às escondidas no secundário. Foi algum o meu espanto, quando ele me cumprimentou como se tivesse cruzado comigo ontem. Em dez minutos, pôs me a par da vida dele… a mulher, a não mulher, a cria e as patadas da vida. Teve preso e agora endireitou-se mas tinha uma grama no bolso caso eu quisesse. Tive seis anos fora e a conversa revitalizou-me.

Continuei o percurso com um abanar de cabeça e uma certa nostalgia. Ganhei energia e decidi optar pelo longo percurso. A passo menos apressado vi passar de carro aquela gaja que me pôs a cabeça num nó. Estava bonita a bandida, será que anda a comer alguém? Acabei de chegar e ainda não me tinha lembrado do pequeno tamanho desta cidade. Segui pelo centro histórico e avistei ao longe aquela personagem do costume. Decidi parar e oferecer lhe um cigarro, afinal de contas não tinha nada para fazer. A conversa familiar dele desenhou me o mais sincero sorriso na cara. O homem continuava igual, lembro me dele encostado no mesmo sítio e a falar com a mesma angústia de sempre. O bafo a cerveja e a vontade de partir o nariz ao mundo eram os seus traços mais marcantes. Parecia não ter envelhecido. As rugas eram as mesmas, o discurso e o gesticular dramático também. Agora quem ficou com vontade de beber fui eu. Será que a esta hora à alguma coisa aberta? Claro que há, esqueci-me que estou em casa.

Entrei no sítio onde frequentava com receio de não me sentir à vontade. Levei a mão ao bolso para tirar uns trocos e mal levanto a cabeça ouço um insulto do barman que me cumprimenta calorosamente. Estava em Guimarães! Sorri. Foi aí que no primeiro gole da garrafa a estalar que me lembrei que foi por isto que fui e por isto que voltei. Tudo igual pode ser irritante e aborrecido mas esta familiaridade e este calor em cada esquina é um conforto que lhe tinha perdido o gosto. Afinal até percebi o raio do provérbio: ‘O bom filho a casa torna.’

Ira

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