Uma marca de 10 anos da Capital Europeia da Cultura (e não só)

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Guimarães celebra, por estes dias, um dos momentos maiores que a cidade viveu; uma marca dificilmente alcançável por cidades da mesma dimensão. Mas o título e o sucesso permaneceram e ainda hoje é exemplo tudo o que Guimarães criou à volta da marca de 2012.

Foram tempos conturbados aqueles que se iniciaram com a escolha de Guimarães para Capital Europeia da Cultura. O arranque não foi famoso e dar a volta à situação também não seria de bom tom para as cortes europeias. No entanto, Guimarães manteve-se de pulso firme e Carlos Martins, responsável pela ascensão da maior feira medieval da Europa, em Santa Maria da Feira e intendente da parte cultural do Euro 2004, assumia o leme a poucas semanas do arranque oficial do grande evento europeu.

Apesar do conhecido bairrismo de que Guimarães é associado, houve sempre uma porta aberta à vinda de personalidades de outras cidades para relacionar e ver com outros olhos o que o concelho tinha (e não tinha). Talvez tenha sido esse olhar externo que levou a que fosse criado o slogan que viria a meter na gaveta o velho “E tudo se transforma”, desejando ver a comunidade mais ligada ao grande evento. “Tu fazes parte” originou uma extensa ligação ao concelho e deu azo a estudos nas áreas de comunicação. Tratar por “tu” uma comunicação que se dizia institucional veio revelar um pouco do arrojo predominante em Guimarães no ano de 2012.

No início deste ano eram muitos os títulos de várias publicações nacionais e internacionais que destacavam “a cidade berço de Portugal”, o “património histórico e cultural que agora era capital europeia”, a “gema escondida da Europa” ou “a cidade que pôs toda a gente a respirar cultura”. Havia uma grande verba para a comunicação o que ajudou ao ego vimaranense e ao trabalho em conjunto intervenientes e instituições locais.

Foi nesse desígnio que nasceu o FreePass Guimarães. Havia arestas por limar, achava eu, daí ter abordado a Fundação Cidade de Guimarães com o intuito de criar uma maior ligação aos eventos não institucionais, colocando-os no mesmo patamar de todos os outros, e envolver o público e o privado na mesma agenda. Assim foi feito, pensado e trabalhado com a equipa de comunicação da CEC, coordenada por Lino Teixeira, até que tudo seria ligado e comunicado como um todo. Guimarães respirava cultura, lazer, diversão, educação, tudo no mesmo patamar.

Claro que nem todo o ano foi um mar de rosas. Houve momentos baixos, crises financeiras, reclamações várias, mas a calma persistiu e o barco chegou a bom porto no fim dos quatro momentos (marcadamente vividos pela companhia catalã La Furia dels Baus). O encerramento teve assim um misto de emoções, por um lado o de um trabalho bem feito e muito elogiado por responsáveis de outras Capitais Europeias da Cultura, que se deslocaram a Guimarães no fim desse ano; por outro o de “fechar” tudo à pressa, ditado pelo governo de Passos Coelho, ao extinguir a instituição responsável pela grande obra que Guimarães viveu e, mais tarde se veio a concluir, que a Capital Europeia da Cultura deu um lucro (não só financeiro) tremendo, não só à cidade de Guimarães como também ao país.

Apesar da pouca atenção dada ao estudo realizado pela Capital Europeia da Cultura, que durante o ano de 2012 foi averiguando públicos, economia, turismo, sociedade, cultura e outras questões de natural relevância, o destaque vai sempre para o legado deixado no concelho. Mais público, mais criação, melhores condições de trabalho, mais pessoal qualificado e preparado para o futuro, e, por fim, melhor comunicação.

Guimarães estava no mapa europeu e mundial. Nos últimos anos, a cidade esteve prestes a alcançar os números de 2012, tanto no turismo, como nas visitas aos momentos e museus, algo que seria de esperar, mas a chamada ressaca pós-evento, é bem famosa por entre as Capitais Europeias da Cultura, e uma pandemia não veio ajudar. Ainda assim, há projetos que merecem um grande destaque neste texto, como é o caso da Outra Voz, ou de vários artistas e agentes que escolheram Guimarães para trabalhar e viver e que continuam por cá após estes 10 anos.

Este também é o caso do FreePass Guimarães. O trabalho desenvolvido e reconhecido por muitos e que tem aproximado os vimaranenses (e não só) ao que se faz por cá. Foi com esta missão que o projeto integrou a comunicação de 2012 e tem tentado continuar esse legado, ainda que não tenha estrutura ou financiamento para se manter nesse equilíbrio. Penso até que projetos que deram a Guimarães novos olhares seriam ainda necessários nos dias hoje, como o Canal 180, a Academia RTP ou a Vice, que mostraram como a cidade berço pode ser muito mais do que aparenta.

Esse é um desejo para o futuro e que penso que poderá ser um das chaves para um novo sucesso de ex-CEC em toda a Europa. O de unir, simplificar, criar e partilhar, de várias formas e feitios, o que Guimarães faz de diferente todos os dias. Temos tudo para isso acontecer. Pessoas, estruturas e potencial, apenas falta o contacto. Mas estamos no ponto crucial para pensar como isto poderá ser e ficar, o talento está cá todo.

Desejo, por tudo isto, votos de um bom ano de 2022, um ano em que se vivam as memórias de há 10 anos e que se trabalhe para promover uma melhor cidade e sociedade através da cultura, tal como imaginou Francisca Abreu.

Ivo Rainha
Responsável pela plataforma FreePass Guimarães

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