Críticas Cliché #3

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Este mês tivemos grandes estreias de Hollywood, entre elas Sonic the Hedgehog 2 – 6* (CINEMA) e Doctor Strange in the Multiverse of Madness – 7* (IMAX), mas no estado atual do mundo decidi partilhar apenas as críticas de três documentários que me marcaram (e muito) nos últimos 30 dias, e que podem ser vistos na Filmin.

Seguimos então para os melhores do mês de maio, segundo Nuno Meneses:

“Writing with Fire” (2021)

O jornalismo na sua essência.
“Escrever com Fogo” mostra-nos a história de um grupo de mulheres da “pior” casta da Índia (sim, na Índia, as castas vêm no BI) que decide criar o próprio jornal. E que história. O documentário mostra-nos a passagem do jornal para o mundo digital, e como o número de visualizações do mesmo foi aumentando.

A vida destas mulheres é impressionante. A força de vontade e coragem que têm para expor estas notícias é sobre-humana. Numa sociedade patriarcal, machista e violenta seria impensável existir um jornal como Khabar Lahariya. Este grupo de mulheres incríveis consegue mantê-lo. Expondo notícias sobre política, exploração, violência e violação não perdem nunca a força e o rumo.

O documentário é muito bom. No meio de tudo aquilo nunca sentimos pena daquelas mulheres. Percepcionamos sim, a sua incrível força. Tudo se deve ao modo como a história está contada, como se estivéssemos sempre a observar aquelas vidas, da perspectiva das personagens. Isto porque o filme não se concentra no cenário, mas na história daquelas mulheres.

É muito interessante perceber como até escrever com um telemóvel pode ser uma missão complicada, quando os teclados estão com letras ocidentais; ou ver como a educação de uma pessoa em tão pouco tempo lhe dá outras formas de pensar e agir. Neste documentário conseguimos perceber o poder do jornalismo, quando bem feito.

Os novos media serviram para difundir notícias de forma nunca antes vista, mas é precioso que os jornalistas percebam o que é fazer notícias. E este documentário mostra isso de uma forma incrível, até na forma como está realizado. Não temos propriamente um ponto de vista, apenas nos são apresentados os factos verdadeiros, deixando as opiniões para quem vê as notícias.

Apesar de, tecnicamente, não ser o melhor filme de sempre, a história vale muito mais do que tudo o resto. Ainda assim temos aqui e ali alguns bons apontamentos de fotografia e musicais. Uma história que merece ser vista e conversada.

8*

“The Mole: Undercover in North Korea” (2020)

Tão surreal que parece mentira. Mas não é. “The Mole” é um documentário que acompanha a vida de dois infiltrados na Coreia do Norte.

Um filme em dois episódios que muitas vezes parece uma reportagem da CNN na forma, mas não no conteúdo. Apesar do cariz muitas vezes dramático que o realizador dá ao filme (e com razão para o ser), nunca o é pela vida das personagens, mas pelo conteúdo da história em si.

Inexplicavelmente um senhor dinamarquês consegue a confiança da Coreia do Norte e, com uma força de vontade e coragem que eu desconhecia, consegue filmar e documentar conversas que põe o regime norte coreano em maus lençóis (entre outras pessoas). O mais assustador do filme nem é o regime da Coreia em si, mas as pessoas envolvidas em todos os negócios ilegais, como se chega até elas, e o imaginarmos quantos negócios fachada estarão espalhados pelo mundo, quantas pessoas não são quem dizem ser.

Gosto especialmente como, apesar do teor pessoal do realizador, tentar dar sempre a maior importância a este senhor, que teve a coragem de, ao longo de mais de dez anos,  defender uma coisa terrível na qual nada acreditava. Mais do que tudo, esta força é o centro deste documentário. É um filme meramente expositivo que quer mostrar o que esconde aquele regime.

A fotografia é maioritariamente conseguida através de câmaras ocultas, que gravaram mais de dez anos de imagens. De louvar o trabalho de edição. Conseguiram contar a história sem nunca maçar, mesmo que nem sempre tivéssemos a melhor perspectiva.

No final temos um filme em dois episódios, e foi o que mais me incomodou. Podia facilmente ser um filme com 90 minutos, em vez de dois de sessenta. Aconselho.

7*

“Flee” (2021)

“Home? It’s someplace safe. Somewhere you know you can stay, and you don’t have to move on. It’s not someplace temporary.”

Que vida fácil que levamos. Jonas Poher Rasmussen realiza um documentário diferente e merecedor de todas as nomeações. A estória de um amigo, Amin, que consegue fugir do Afganistão. Um filme sobre fugir até encontrarmos um lugar a que possamos chamar de casa; um sítio seguro, onde possamos ficar; um sítio que não é temporário.

O realizador usa várias técnicas de animação e edição para tentar recriar as memórias do entrevistado Amin, que conta a sua história ao mundo pela primeira vez. Provavelmente para preservar a integridade dos intervenientes, Jonas recorre à animação, que embora simples, consegue captar as expressões e movimentos essenciais dos personagens. O design de som contribui em muito para que isto aconteça.

Esta escolha acaba por trazer também vantagens na restante realização; quando ouvimos as memórias de Amin, a animação é mais esbatida, tal como o que ele se lembra. Tudo isto faz com que o espectador tenha também a possibilidade de imaginar de acordo com o que ouve.

À medida que a história vai progredindo também a animação vai sendo alterada para acompanhar as cores do que Amin ia, possivelmente, sentindo ao longo da vida.

São 89 minutos onde acompanhamos um personagem na sua fuga e adolescência; isto porque embora refugiado, é um ser humano como todos e tem que se descobrir. Um filme que, embora violento pelo tema que aborda, é muito bonito. E consegue tocar todos os temas com uma “leveza” inesperada.

A banda sonora é muito bonita e acompanha a narrativa e a própria adolescência de Amin. Um filme que nos faz pensar quantos Amin haverá no mundo, e o quão injustas são as oportunidades que temos, simplesmente por termos nascido onde nascemos. Um filme arrojado, muito bonito, com uma história tão real que parece mentira. Um filme que deveria ser de visualização obrigatória pelo mundo todo.

10*

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