Críticas Cliché #2

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Mês de abril e mais umas idas ao cinema por parte do entusiasta Nuno Meneses. Apesar da longa lista de filmes visualizados, há ainda espaço para mostrar umas curtas notas das últimas sessões assistidas no Cineclube, nos cinemas comerciais ou então no conforto de casa.

As notas curtas deste mês foram:
“Turning Red” (2022) – 7,5* (Disney Plus)
“Nightmare Alley” (2021) – 8* (Disney Plus)
“The Man Who Killed Don Quixote” (2018) – 9* (Cineclube de Guimarães)
“Paraíso” (2021) – 10* (Cineclube de Guimarães e RTP Play)
“Sonic the Hedgehog” (2020) – 5* (Netflix)
“Fantastic Beasts: The Secrets of Dumbledore” (2022) – 6* (Cinema)
“Belfast” (2021) – 8* (Cineclube de Guimarães)

Vamos explorar os três melhores:

O HOMEM QUE MATOU DOM QUIXOTE
“Try to keep up with the plot.” “There’s a plot?”

O Homem que Matou D. Quixote é muito divertido e alucinado, não viesse do Sr. Gillian. Após duas décadas de confusões finalmente conseguimos ver o filme. Valeu a pena a espera? Acho que sim. O plot do filme é tão confuso como a sua produção e como a cabeça do D. Quixote e é isso que faz dele brilhante.

Um filme em que a curva seguinte é quase sempre inesperada e em que a maior parte das coisas que acontecem não precisam de justificação para acontecer. E agora, um burro; E agora, “ninguém está à espera da inquisição espanhola”.

Terry Gilliam conta-nos uma história super atual (até tem um oligarca russo!) sobre o desespero criativo. Toda a narrativa é caótica. Se não fosse um filme sobre este personagem talvez não fizesse sentido, assim não precisamos de mais justificações. Com este caos narrativo o realizador transporta automaticamente o espectador diretamente  para a mente de um possível D. Quixote.

Um filme menos sério e mais “monty pithonesco”. Uma série de sketch’s numa narrativa quase fragmentada como a cabeça do Quixote. Mas é, para mim, uma injustificação justificada. Uma crítica também as produções Hollywoodescas em que o dinheiro vale sempre mais do que qualquer outra coisa; um mundo violente e corrupto. 

Jonathan Pryce está brilhante no seu papel. Adam Driver também. E todo o restante cast está à altura da confusão. Roque Baños consegue também uma banda sonora muito especial que nos transporta para a Espanha Medieval com só um acorde de guitarra.

Aguardei pelas cenas gravadas em Portugal para tentar perceber a polémica. Várias coisas estão misturadas, existe apropriação cultural? Acho que toda a confusão é justificada mais uma vez pela ideia de que o personagem é isso mesmo. Uma confusão de ideias e pensamentos.

Gostei muito.

9*

PARAÍSO
“Um passarinho canta até morrer.” in Paraíso

No peito de todos aqueles afinados bate um coração, que faz bater o nosso ao mesmo ritmo. Um filme para se ver em pé, batendo o pé até ao final. Um ode ao amor, à música e à vida.

Todos os dias, dezenas de pessoas juntam-se nos jardins do Palácio do Catete, antiga residência da presidência brasileira, e que hoje alberga um museu. Este é o paraíso daquelas pessoas, que não têm nada mais do que aquelas horinhas em que cantam juntas.

O samba tem um poder curativo inexplicável. A recordação e a memória pela música. Uma dedicatória a um recém casal de noivos sexagenários. Um palpitar de namorisco entre uma cadeira de rodas e demência. Uma leveza num corpo velho e pesado. Uma memória de uma música antiga ou a criação de uma cantiga. “Tantas Milhas”.

Uma serenata ao luar. Uma homenagem profunda e verdadeira ao Brasil da infância do realizador e às pessoas que o existiram. Um filme sobre o paraíso, interrompido pelo vírus que assolou o mundo.

A pandemia tirou muitas vidas diretamente, mas também isolou e matou muita gente pela solidão. Uma perspectiva totalmente diferente da que estamos habituados.

A fotografia é também muito bonita. Planos fixos, com uma composição espetacular, que nos deixam absorver toda a informação que os compõem.

O filme durou 88 minutos. Ficava lá outros tantos a ouvir aquela gente, no paraíso. O filme mais bonito que vi nos últimos tempos.

Obrigado Cineclube de Guimarães.

10*

BELFAST
“Be good son. And if you can’t be good, be careful.”

Um bairro. Uma boa história. Uma fotografia incrível. Tudo o que é preciso para fazer um bom filme.

Keneth Branagh usa aqui todo o conhecimento para contar a história ficionada da sua infância. E o ponto forte do filme é mesmo esse. A perspetiva do que aconteceu na Irlanda nas décadas de 60 e 70 pelos olhos curiosos de uma criança. E ao mesmo tempo esta visão do mundo mistura-se com a dos seus avós (Judi Dench e Ciarán Hinds), que vão passando os “ensinamentos” ao pequeno Buddy.

A cena de abertura do filme colou-me ao ecrã.  Uma passagem pela colorida e atual Belfast acaba numa parede com um grafite que remete para o passado da cidade. A câmara sobe e mostra um antigo bairro da cidade, a preto e branco, onde se vai desenrolar toda a ação.

Ainda na cena de abertura vemos uma mãe, com uma tampa de caixote do lixo a fazer de escudo; uma verdadeira super heroína que educaria os filhos quase sozinha.

A leveza com que o tema do filme é tratada (os conflitos ente protestantes e católicos) é maravilhosa. Quando somos crianças não carregamos os problemas do “mundo dos adultos” da mesma forma, mas conseguimos perceber, à nossa maneira, o mundo que nos rodeia. Keneth consegue aqui transpor para o cinema as sensações que temos quando em criança. Não somos parvos, sabemos o que está a acontecer, mas contam-nos as coisas de uma forma tão complicada, que parece sempre um problema maior.

Um filme com mais referências cinematográficas do que as que consegui contar. O facto de todas essas referências, mesmo no teatro, estarem a cor, enquanto que o resto da ação está a preto e branco faz-nos refletir se, no meio de toda a confusão, eram aqueles momentos no cineteatro que o jovem Buddy (ou o próprio Keneth Branagh) via a vida com uma cor diferente.

O que nos leva à fotografia do filme. Keneth alia-se mais uma vez a Haris Zambarloukos para criar uma fotografia que parece de filme independente, tantas são as vezes que as personagens que falam carregam o peso do enquadramento nos ombros. Keneth já nos habituou a fotografia boa em todos os seus filmes, mesmo nos mais comerciais, mas neste Belfast sobressai-se.

A banda sonora é toda de Van Morrison. Encaixa na perfeição sempre que é chamada a intervir. Talvez seja a banda sonora da infância do realizador.

Também um filme sobre o não ter medo de enfrentar o desconhecido. Muitas vezes temos medo de sair da nossa “zona de conforto”, mesmo sabendo que se manterá no mesmo sítio caso queiramos voltar. Nas palavras da avó:

“Go now. Don’t look back.”

8*

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